UMA REFLEXÃO SOBRE A DEMOCRACIA VIRTUAL


Andrea Cecilia Ramal:
Lembram da polêmica sobre a eleição de Maradona e Pelé pela Internet? A opção da FIFA de realizar uma votação pela Internet e a decisão seguinte a esta, de não legitimar o resultado, é um dos casos que trazem à tona a discussão necessária sobre a democracia e o virtual na participação política do próximo século.
A Internet poderia parecer, à primeira vista, o melhor canal para uma escolha popular. Pessoas de várias idades, de culturas e visões diversas, com diferentes opiniões, integram, ao conectar-se, uma imensa inteligência coletiva que lhes permite manifestação livre e participação fácil, rápida e ilimitada.
No entanto, como costuma acontecer, a "massa", em sua configuração disforme, anônima e imprevisível, surpreende o poder institucional e escolhe o Outro. Não a voz monocórdica, esperada, óbvia, mas o inusitado. O melhor jogador do século, para a maioria dos internautas, é praticamente o avesso daquele que a instituição legitimaria. Na mistura fractal de vozes e culturas dessa rede, vence o símbolo da irreverência, da transgressão às normas, da subversão.
Creio que o resultado pouco importa, num momento de tantos problemas no panorama mundial. Mas vale, sim, pensar sobre as implicações do fenômeno. O que importa é que a FIFA, imediatamente após o resultado da votação, toma a decisão de criar outro prêmio, atribuído por outra comissão julgadora. Está estabelecida a ruptura: a decisão virtual e a real. A voz do público e a voz legitimada institucionalmente. A polifonia das vozes dissonantes e a monologia da autoridade que decreta que há uma versão - a oficial - alternativa ao voto popular. A metamorfose do digital é revestida de uma capa que volta a tornar a realidade bela, justa, politicamente correta.
Por outro lado, se não fosse pela rede, jamais se conheceria esse resultado insólito. Poderíamos perguntar: quantas outras vozes, em anos e séculos anteriores, não foram caladas porque havia apenas a opinião possível da comissão pré-determinada, do poder pré-estabelecido, dos resultados fixados e imaginados por antecipação?
Aí está um dos grandes valores da Internet: o de permitir que venham à tona todos os olhares, todos os discursos. Discursos que jamais conheceríamos se não fosse pela facilidade com que se pronunciam e se expandem, sem barreiras, por uma rede que não tem um único centro nem um só autor. É nesse discurso que se revelam todos os poderes. A Internet inaugura o século como a nova arena das contradições e das disputas entre os lugares sociais, acrescida da multiplicidade de signos que fluem pela rede e, portanto, muito mais complexa e polissêmica.
Processos de participação virtual não poderão jamais pressupor, felizmente, a harmonia e o consenso. Reproduzem-se neles todos os conflitos e as tensões próprias do mundo real, só que sem máscaras. A disputa entre as diferentes vozes e ganha as proporções de uma rede do tamanho do planeta. Nesse sentido, garante-se a riqueza da intersubjetividade, expressada na polifonia, na heterogeneidade, na mistura híbrida de raças e culturas, difusa e interconectada por milhares de lugares ao mesmo tempo, subversivamente democrática e renovada cada vez que um novo diálogo se estabelece

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